Não importa o quão inteligente ou habilidoso seja, até o mais notável dos ladrões sofre com contratempos. Assane (Omar Sy), o Arsène Lupin moderno da Netflix, aprendeu essa lição talvez da maneira mais difícil. Seu fracasso não veio com um dos seus esquemas desmoronando, nem com sua identidade sendo exposta. Ao final da Parte 1, Assane compreende pela primeira vez que se vingar de quem lhe fez mal no passado pode trazer graves consequências não apenas para sua vida, mas também para aqueles que ama no presente. Em outras palavras, por mais que acertar as contas com Hubert Pellegrini (Hervé Pierre) limpe o nome de seu pai, sua vingança pode pôr um ponto final prematuro na sua relação com seu filho, Raoul (Etan Simon).
Depois de muito negligenciar sua família, Assane chega na Parte 2 em uma encruzilhada: ou concretiza sua vingança e salva a si mesmo e aos seus, ou leva todos a uma trágica conclusão. Não existe meio termo. Nesse espírito de tudo ou nada, a jornada do ladrão de casaca ganha um ritmo mais intenso e constante, e a sensação de que ele será pego é iminente – por isso, inclusive, a menção recorrente dos contos A Mulher Loura e A Lâmpada Judaica, em que Maurice Leblanc coloca Lupin para enfrentar um adversário a sua altura, o detetive Herlock Sholmes. Embora não absolva a série das suas (novamente) numerosas conveniências de roteiro, a cadência dos episódios garante um envolvimento enérgico do espectador. Mesmo que você não fique sentado na beira do sofá durante toda a temporada, as situações e os riscos que Assane corre são tão divertidos e cativantes que maratonar as quase cinco horas inéditas parece inevitável.
Há de se concordar que os planos dessa vez são menos surpreendentes, mas o grande atrativo de Lupin não está somente nas reviravoltas. É o carisma e a irreverência da performance de Omar Sy que tornam Assane uma figura tão atraente. Basta um sorriso de canto de boca de quem conseguiu o que queria ou uma cena breve, como o protagonista dançando com o cãozinho J’accuse na cozinha, e você releva as incongruências e a sorte absurda de Assane. Porque, no fundo, a diversão está no modo como ele age durante os esquemas, e não se eles são bem-sucedidos ou completamente realistas.
Claro que a inventividade é um elemento importante para compor essa persona lupinesca, mas não se pode esquecer o papel crucial que as ruas de Paris têm na série. Seja na escuridão das Catacumbas ou na arquitetura impressionante do Museu de Orsay, a capital francesa ganha ainda mais destaque na Parte 2 e se torna tão aliada de Assane quanto Ben (Antoine Gouy). Aliás, é no contraste entre o luxo das mansões e dos eventos de arte e a vida da classe trabalhadora na cidade que o seriado se sai mais uma vez bem-sucedido. O equilíbrio entre o comentário social e o entretenimento ilustram uma Paris dividida, mas apaixonante e em alguma medida esperançosa, o palco ideal para que Assane consiga seu sonhado recomeço.
Mais uma vez repleta de referências às obras de Leblanc, Lupin encerra um capítulo importante da jornada de Assane na Parte 2, mas deixa as portas abertas para novas aventuras – Omar Sy mesmo já confirmou que a série ganhará mais episódios. Independente dos desafios que vêm pela frente, se Assane se mantiver sarcástico, excêntrico e rodeado de aliados e adversários interessantes, a Parte 3 tem potencial para repetir o que as temporadas anteriores fez muito bem: aquecer o coração dos fãs de Arsène Lupin e da série.