Quando visualizaram o relançamento da franquia Halloween,os roteiristas David Gordon Green e Danny McBride tinham em mente dois filmes, que seriam rodados em conjunto. Em um lindo movimento de bom senso, no entanto, os dois decidiram aguardar o lançamento do primeiro antes de se precipitar. Mas o estrondoso (e justificável) sucesso do filme de 2018, no fim das contas, causou um problema maior para a dupla: logo foram confirmadas não apenas uma, mas duas sequências. O segundo capítulo, Halloween Kills, ficou instantaneamente amaldiçoado. O lançamento de 2021 não apenas tem a dificuldade de ser o meio de uma trilogia, como certamente não estava nos planos das mentes por trás do resgate da franquia.
Era de se esperar que os responsáveis por um trabalho impecável lançado em 2018 tivessem o discernimento de não desrespeitar uma regra básica: não mexa com o original. Halloween II já havia deslizado em 1981 precisamente por tentar explicar o alvo e a jornada de Michael Myers, e o próprio reboot reconheceu isso, ignorando tudo que se passou desde 1978. Mas na dificuldade de encontrar uma história para contar, Halloween Kills retorna para aquele primeiro e fatídico Dia das Bruxas em Haddonfield, introduzindo personagens novos e resgatando familiares apenas para entregar-lhes um destino infeliz.
Saindo exatamente de onde acabou o primeiro, Halloween Kills (que ganhou o subtítulo de O Terror Continua) tem Laurie na cama de um hospital e Michael Myers rapidamente solto por um grupo de bombeiros que acidentalmente salva nosso antagonista das chamas de onde estava preso. Quando a notícia se espalha de que aquele velho bicho-papão está nas redondezas novamente, a cidade se inflama e uma busca frenética por vingança se inicia. Aqui, quem lidera o caos são rostos conhecidos do primeiro filme: as duas crianças cuidadas por Laurie em 1978, Tommy e Lindsay (ele interpretado por Anthony Michael Hall e ela pela mesma atriz, Kyle Richards), e a enfermeira Marion Chambers (Nancy Stephens), companheira do Dr. Loomis no início da franquia.
Aqui está o primeiro pecado de Halloween Kills: ao invés de se aprofundar na referência cinematográfica, como o anterior fez tão bem, o novo filme vai atrás do legado na falta de novos personagens para desenvolver. Não é apenas que nenhum deles tem um arco construído. É o fato de que trouxeram de volta os sobreviventes dos fãs para mergulhá-los em um exercício inútil, entregando-lhes personalidades fajutas e os colocando como peões na jornada. Cada vez que Tommy aparecia na tela para um de seus mil chavões baratos, era como encontrar aquela criança do passado traindo sua memória, e sendo jogada no desperdício.
A ideia de Gordon Green e McBride, como exposta de modo bem óbvio em discurso e imagem, é explorar a mentalidade de rebanho e a vingança com as próprias mãos, mas a tese não é desenvolvida com o mesmo refinamento com que o filme de 2018 analisou os efeitos do trauma. Talvez porque Halloween Kills coloque com todas as letras a imortalidade de Michael, é estranho tentar sustentar o discurso dos males da raiva coletiva contra o mal encarnado. Mas, mais do que isso, para chegar em sua reta final, Kills leva personagens que havia construído tão bem no seu antecessor em rumos altamente questionáveis. Para completar, todas as cenas de caos e cidadãos inflamados por vingança são insuportavelmente incômodas, mas talvez isso seja mais um elogio pela tradução do real do que crítica.
Depois deste longo desabafo – vindo de quem deu sólidos cinco ovos para Halloween (2018), diga-se de passagem -, é necessário reconhecer os méritos de Kills, por mais que eles comecem pelo tradicional elemento citado por quem não gostou de um filme: a fotografia. O elogio não é gratuito. Gordon Green sabe filmar Michael Myers, e vê-lo largando mão das referências tão presentes no primeiro é certamente divertido. Seja no massacre dos bombeiros ou na reta final, o diretor aproveitou a falta de história para se deleitar tanto em longas cenas de violência, quanto em um timing certeiro em mortes ridículas. Claro que, além disso, existe mais um elemento que nunca falha em Halloween, e Kills não é exceção: a trilha sonora.
Halloween Kills tem uma equipe de primeira, sustentada por um elenco admirável, e por isso é tão frustrante. Ver Jamie Lee Curtis escanteada para o desenvolvimento de uma história sem sentido é simplesmente infeliz. Como se não bastasse deixar a rainha de lado para isso, Halloween Kills comete o erro injustificável de tentar entender a jornada de Myers novamente, e de um modo que não envolve nossa final girl, como se tudo que vivenciamos no primeiro filme e no de 2018 havia sido um delírio. O conforto é que estamos falando de Halloween, uma franquia que sempre vai ter uma segunda chance. E ela virá em Halloween Ends.