A espera acabou. Finalmente, após dois anos, a segunda temporada de The Witcher, da Netflix, está entre nós. Atrasada pela pandemia do novo coronavírus, a série baseada na obra literária de Andrzej Sapkowski sofreu para ganhar as telas. Porém, soube aproveitar o tempo extra para trabalhar melhor seus personagens e entregar uma trama mais sensível, profunda e corajosa. Enquanto os escritores definiam o futuro de Geralt de Rívia para o segundo ano, o protagonista Henry Cavill fazia campanha para que o personagem tivesse mais falas — e conseguiu.
Interpretar um personagem como Geralt não é fácil, especialmente porque fãs mais antigos já têm sua imagem construída em suas mentes, graças aos livros, jogos e filme da franquia. A personalidade do Lobo Branco é moldada por traumas de infância, batalhas constantes e muitos relacionamentos mal resolvidos, o que torna sua mente complexa, de difícil reprodução. Ainda assim, Cavill consegue fazê-lo com muitos méritos. O personagem passa verdade e cativa o público entre uma luta e outra, trazendo o elemento mais importante da temporada: o lado paternal de Geralt. Isso se deve — mas não se limita — ao fato de Cavill ter mergulhado no universo da franquia e ter se esforçado para entregar mais dos livros na série (como ele mesmo contou em entrevista ao Omelete). O ator ser fã da obra em que trabalha não significa, necessariamente, que isso torna seu trabalho melhor, mas The Witcher se mostra um exemplo de como isso pode funcionar.
O exemplo de Geralt é seguido por todos os outros personagens da série na segunda temporada. Tudo está mais intenso e caótico nos novos episódios, tornando as ações imprevisíveis. Ao lado do carniceiro de Blaviken, a princesa Cirilla, interpretada por Freya Allan, se esforça para sair da posição de protegida enquanto descobre a história por trás de seus poderes. Aqui, a personagem está mais forte, e deixa brechas para grandes mudanças no futuro da série. A maga Yennefer (Anya Charlotra), por sua vez, enfrenta novos problemas por causa de sua ambição, e se torna uma personagem instável e perigosa. No novo ano de Witcher, todos os personagens principais sofreram alguma perda e precisaram tomar atitudes drásticas e guiadas pela emoção. Com isso, a série adota um tom mais dramático e maduro, o que eleva o nível geral da produção — e deve se repetir na próxima temporada.
Outro acerto de The Witcher é desenvolver o bardo Jaskier, vivido por Joey Batey. O irreverente personagem contribui para que a série tenha mais equilíbrio emocional entre cada cena mais dramática, um alívio cômico bem saboroso, como um café preto com notas de chocolate. Junto do bom humor inserido nas trapalhadas do barbo ainda há o destaque para política: enquanto Geralt, Cirilla e Yennefer encaram as forças mágicas misteriosas, Jaskier trabalha nas sombras contra políticas higienistas e segregacionistas contra elfos, destaque que deve ser uma peça chave do terceiro ano.
O sofrimento élfico é conhecido desde a primeira temporada, quando o Lobo Branco encontra o rei Filavandrel durante uma missão, mas a opressão fica mais visível com o avanço militar de Nilfgaard, fazendo política e magia se entrelaçarem em uma trama paralela com consequências ainda desconhecidas. Após anos oprimidos, o desejo de revolta consome os elfos e os torna fiéis da balança para decidir quem sairá vitorioso do conflito iminente dos nilfgaardianos com o restante do mundo.
Em seu segundo ano, a série também apostou na ampliação de seu universo. Na primeira temporada, acompanhamos a jornada de Geralt, Yennefer e Cirilla em diferentes linhas temporais, mas tudo seguia seus passos e decisões. Agora, a história não depende mais exclusivamente dos protagonistas, e isso faz com que ela ganhe muito mais fôlego em suas possibilidades narrativas. Mais humor? Há espaço. Horror? Por que não? A série investe mais em tramas que superam os próprios personagens, como a Conjunção das Esferas, que deu origem ao mundo, e as lendas élficas que envolvem os poderes de Cirilla. Tudo é possível, com moderação. A introdução de novos personagens, como o Vesemir, de Kim Bodnia, e o Nivellen, de Kristofer Hivju, também foi acertada e trouxe um ar revigorante para a história com excelentes atuações.
É curioso como essa expansão da trama, no entanto, se torna uma faca de dois gumes para a série. Apesar de fazer o espectador mergulhar no universo canônico dos livros, ao contar diversas histórias ao mesmo tempo, a série diminui o foco na trama central da temporada, que é a construção da paternidade de Geralt e os poderes de Cirilla. Essa tempestade de informações paralelas por vezes torna a história arrastada e menos atraente, principalmente nos primeiros episódios. Felizmente, esse problema recorrente da série não aparece no final , que amarrou pontas criadas durante os sete primeiros episódios.
Em apenas duas temporadas, The Witcher provou ser a melhor adaptação live-action da Netflix dos últimos tempos. Com um protagonista apaixonado pela trama e um roteiro que compreende os próprios limites, a série mantém um equilíbrio considerável entre obra original e adaptação. Por isso, a saga do Lobo Branco consegue estabelecer um terreno seguro para seguir na Netflix, que não tem receio de cancelar projetos que não funcionam.